quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O libertismo de Sartre



É estranho que os filósofos tenham argumentado ao longo de milénios sobre o determinismo e o livre-arbítrio, citando exemplos a favor de uma tese ou de outra sem primeiro terem tentado explicitar a própria ideia de acção (…).
Devemos notar em primeiro lugar que uma ação é em princípio intencional (…) Ora se assim é, devemos dizer que uma ação implica como sua condição necessária o reconhecimento de algo que se deseja (desideratum), ou seja, o reconhecimento de uma lacuna objetiva ou de uma negatividade, de algo que falta ou que ainda não existe. A intenção do imperador Constantino de construir uma cidade cristã que rivalizasse com Roma ocorreu-lhe ao reconhecer uma lacuna objectiva (…) faltava uma cidade cristã.

Isto significa que desde o momento da conceção desse ato, a consciência foi capaz de se distanciar do mundo do qual tinha consciência, deixando o plano do ser( do que existe) para se aproximar do plano do não  ser (do que ainda não existe).

Daqui resultam duas importantes consequências:

1- Nenhum estado de facto seja ele qual for (a estrutura política e económica da sociedade, estados psicológicos, etc) pode por si mesma determinar e motivar qualquer ato. Um ato é uma projeção do ser humano em direção ao que não é ainda e o que é ou existe não pode de modo nenhum determinar por si o que não é.

2 – Nenhum estado factual pode determinar a consciência a vê-lo como negatividade ou lacuna.

A realidade humana é livre porque é perpetuamente arrancada a si mesma (ao seu passado e ao que é) e porque foi separada do que é ou existe e por um nada (a consciência). A liberdade é precisamente esse nada que constitui o centro da realidade humana e que a força a fazer-se a si mesma em vez de simplesmente ser.


                                                                          Jean-Paul Sartre, L’Être et le Néant

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